Lá estava eu, no ponto de ônibus, esperando a merda da condução umas onze e dez da noite, ouvindo minhas mp3 de gordinha rejeitada que vai da faculdade pra casa em plena sexta feira à noite, com a minha alergia à toda, de moletom cor de laranja e touquinha, quase irreconhecível, num puta frio, quando eu sinto um toquinho no meu ombro e penso "Fodeu, é assalto. Tchauu mp3, tchauuu celular". Mas aí eu olho pro lado e um ser humano não reconhecido pergunta:
- oi? posso conversar com você?
(vou seguir só no diálogo e eventualmente abrindo uns comentários em off e pensamentos momentâneos meus em vermelho pra ninguém perder a paciência com essa história do jeito que eu perdi lá pela segunda ou terceira linha.)
Eu: Ah não, cara... eu tô ouvindo música.
Ser humano não reconhecido: - Pô, mas você não pode parar só pra gente conversar um pouco?
Eu: Ah, não, eu não quero conversar, eu quero ouvir música. (Pus o fone de ouvido de volta) - Daqui pra frente, vou começar a escrever só "ser não reconhecido" prq seres humanos, em teoria, são empáticos e respeitam a vontade alheia de querer que eles sumam.
Ser não reconhecido continua falando mesmo assim: - Então, você não lembra de mim? Eu huaieagfuyifr (eu tava de fone, lembra) vc no ano passado:
Eu: QUE? O.O - "nem me vem com história prq no ano passado eu nem peguei ninguém e eu tô SEMPRE sóbria. Desde 2004".
Ser não reconhecido: Pô, eu tava sempre olhando pra vc no ano passado. Vc andava junto com um menino meio loiro, quer dizer, eu acho q era menino... você não é lésbica, é? - Daqui pra frente vou chamar só de "ser" prq uma pessoa que te sai com uma pergunta dessas assim, tirada do cu, não merece os caracteres a mais.
Eu: ¬¬ não.
Ser: Então, eu tava sempre olhando pra vc. Vc não lembra de eu olhar pra vc? Te acho mó gata e tal, desde o ano passado.
Eu: Pô, brigadão. Mas eu nunca te vi não. (ponho o fone.)
Ser completamente convencido de que eu vejo ele todo dia e anoto até no meu diário: Pô mentira que você nunca me viu, vai. Minha sala é ali do lado da sua, de adm. e eu tô sempre no corredor, olhando pra vc...
Eu: Cara, eu sou míope, não vejo nem você nem NINGUÉM no corredor.
Ser: Pô, prq vc tá falando assim, vc tá nervosa?
Eu: Não tô. O problema é que eu tava querendo ouvir música e aí você apareceu aqui e me deu um PUTA SUSTO.
Ser: Poxa, não grita! Vc parece ser mó delicada e tal... mas aí eu chego aqui e vc é assim...mó esquisita, mó fria, até me decepcionei um pouco.
Eu: Pô desculpa, mas eu sou decepcionante mesmo. Eu falo alto e nem sou delicada também.
Ser: E prq não é? Vc não tá acostumada com homem te xavecando?
Eu: Não, tô mais acostumada com mulher me xavecando. ¬¬
Ser: E o cara que andava sempre com vc?
Eu: Ah é, é o meu namorado. e a mentirinha básica era o último coco do deserto pra eu poder voltar a ouvir minhas mp3 de gordinha em paz.
Ser enxerido: Ainda é?
Eu: Ô, é sim.
Ser enxerido: Cadê a aliança?
Eu: - entalei ela no seu cu! Então, eu tenho 23 anos. A idade de aliancinha já passou faz tempo pra mim. (mentira, né, prq mentais eu tenho uns 13 e acho aliancinha ótimo.)
Ser: Mas é namorado mesmo? Prq não parece, vcs nem combinam. E eu nem vi mais vcs juntos. Aliás, nem no ano passado eu vi vocês juntos que nem namorado assim.
Eu: É que eu sou fria, esquisita, lembra? Aí a gente tem um relacionamento estranho, super discreto.
Ser: Mas, vem cá, vc ama esse seu namorado aí? Vc não trai ele não? - Sério, que abordagem é essa? Vou começar a chamar de ser extra terreno agora. Dispensa explicações.
Eu: Não traio não, é o amor da minha vida ele.
Ser extra terreno: Pô, sem chance então?
Eu: Pois é, sem chance.
Ser extra terreno: Onde vc mora?
Eu: Canal 1.
Ser extra terreno: Quer uma carona?
Eu: Não, obrigada. "..Será que se eu arrancar meu braço e aí jogar nele com força..."
Ser extra terrestre: Vc é heterossexual?
Eu: SÉRIO, CARA? DE NOVO? DE NOVO? "Ok, eu vou ter que arrancar meu braço fora."
Ser com medo do outro ser que começou a serrar o braço esquerdo: Bom, vou cair fora então.